16 de dez de 2019 | 14:12
Carta final do Encontro de Coordenadoras e Coordenadores da Comissão Guarani Yvyrupa

Tekoa Araçaí-PR, 15 de dezembro de 2019.

CARTA FINAL DO ENCONTRO DE COORDENADORAS E COORDENADORES DA COMISSÃO GUARANI YVYRUPA.

 

Reunidos em assembleia dos Coordenadores e Coordenadoras Regionais e Tenondé da Comissão Guarani Yvyrupa, com lideranças políticas e espirituais de todas as regiões do Sul e Sudeste do Brasil, escrevemos essa carta para manifestar nossa enorme preocupação com a situação do país, e com os ataques que o Governo Federal vem fazendo contra nossos direitos constitucionais.

Recentemente, foi noticiado na imprensa que a Funai vem impedindo o deslocamento de seus próprios servidores para as terras indígenas que ainda não foram homologadas. Todas as demais terras foram tratadas na imprensa pela Funai como ‘invasões’, até mesmo terras que já estão identificadas pela Funai ou até mesmo declaradas pelo Ministério da Justiça. Nosso direito sobre as nossas terras tradicionais é originário, e essa medida é totalmente inconstitucional, como já se manifestou o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União. Continuaremos mobilizados para garantir o atendimento da Funai em todas as terras indígenas, principalmente naquelas que ainda não foram regularizadas, que são as mais vulneráveis, e que, infelizmente, atinge a maioria das terras do nosso povo.

Mais preocupante ainda, recebemos a notícia da publicação da Portaria no 13.623 de 10 de dezembro de 2019. Segundo essa portaria, todos os órgãos do Governo Federal terão que cortar 40% das suas unidades administrativas descentralizadas até junho de 2020, e mais 20% até 2021, o que inclui a Funai e a Sesai. Isso representa um desmonte total do Estado brasileiro.

Em relação à Funai e Sesai, órgãos que já tem uma estrutura totalmente insuficiente para atender a demanda dos nossos povos, isso representará o fim do atendimento aos povos indígenas do Brasil, tirando totalmente o poder das Coordenações Regionais e dos Distritos Especiais de Saúde Indígena de executar os poucos recursos existentes, e deixando qualquer decisão totalmente longe das bases e do controle social, e submetidas a interesses políticos e eleitorais.

O Governo Federal tem que entender que a demarcação das terras indígenas é uma obrigação de Estado e não uma questão política.

Reafirmamos nossa posição de defender a Lei 9.836/1999 que respeita o artigo 231 da Constituição Federal ao garantir o direito à saúde indígena diferenciada, e dizer NÃO à municipalização da Saúde Indígena. O atendimento diferenciado do subsistema de saúde indígena são conquistas históricas do nosso movimento, e como tais devem ser mantidas, garantidas e fortalecidas.

A permanência do Controle Social e a participação das organizações indígenas são garantias democráticas de combate à corrupção e direcionamento das políticas públicas.

A Saúde Indígena diferenciada com Controle Social não são favores, são direitos nossos e dever do Estado!

Na Funai e mesmo na Sesai, estão sendo nomeadas pessoas sem qualquer currículo para os cargos de chefia, sem nenhum critério técnico, contrariando totalmente as promessas de campanha do atual presidente, com aparelhamento total do Estado, e, sobretudo, desrespeitando nosso direito de consulta prévia, livre e informada, garantido com a força de lei pela Convenção 169 da OIT.

Depois de quase um mês em que nossas lideranças estão mobilizadas em relação à substituição da Coordenação Regional Sudeste, até hoje a Funai nem sequer informou o currículo do novo indicado pelo Governo, e nem sequer deu qualquer explicação técnica para sua escolha.

Continuaremos mobilizados para garantir que o Governo cumpra seu próprio Decreto 9.727/2019 de indicar apenas pessoas com capacidade técnica para os cargos comissionados da Funai e da Sesai, e parar imediatamente o aparelhamento político e ideológico dos órgãos indigenistas.

Denunciamos aqui, ainda com enorme preocupação, que algumas de nossas lideranças ouviram do próprio Procurador Chefe da Funai que o governo planeja publicar nas próximas semanas uma medida provisória que tenta tirar o poder do Governo Federal de demarcar as terras indígenas, e passar essa responsabilidade para Estados e Municípios.

Essa proposta é totalmente inconstitucional, o artigo 231 da Constituição Federal de 1988 é claro em dizer que é obrigação da União demarcar e proteger as terras indígenas.

Lutaremos com todas as forças para impedir qualquer mudança nas regras de demarcação de nossas terras existentes no Brasil, e para impedir qualquer tentativa de revisão dos processos de demarcação que estão em andamento através de décadas de luta das nossas lideranças, dos nossos anciãos, das mulheres indígenas, e das comunidades.

Nossos xeramoῖ e xejaryi tem alertado há muito tempo os jurua (não indígenas) que essa destruição que estão promovendo no pouco que restou das nossas florestas vai impedir a vida nessa terra, que chamamos yvyrupa.

Hoje, até mesmo os cientistas jurua estão dizendo o que os nossos sábios sempre disseram. Mais de 11.000 cientistas jurua lançaram um manifesto dizendo que essa terra não vai durar mais, não vai mais permitir que os seres humanos vivam nela, seja indígenas ou não indígenas, se os governantes dos jurua não mudarem rapidamente o seu modelo de desenvolvimento, e passarem a respeitar as florestas e os povos da terra.

Está mais do que provado que a demarcação das terras indígenas é o melhor jeito de preservar e recuperar as florestas. Por décadas os governantes do Brasil deixaram de cumprir o que manda a Constituição Federal, não apenas a de 1988, como as anteriores. É por isso que hoje o nosso povo não tem suas terras demarcadas.

O Governo atual, porém, ainda vai além, e faz de tudo para revisar as demarcações já realizadas. Nunca poderemos aceitar isso, pois é a vida de nossas crianças que estão em jogo. Vocês jurua também não deveriam aceitar isso, pois é a vida de todos que vivem nessa terra, yvyrupa, que está ameaçada.

Chegamos ao fim de 2019 resistindo a todos os ataques feitos pelo Governo, e teremos força para continuar lutando em 2020 contra esses novos ataques que estão sendo anunciados.

Pedimos apoio de todos os jurua que se preocupam realmente com o futuro de seus filhos e netos, que se unam aos povos indígenas na luta pela proteção e recuperação das florestas, porque nosso tempo é curto.

Não há dinheiro que possa resistir ao exército da Mãe Terra, não há poder político que possa impedir um desastre para todos caso os jurua não escutem as palavras daqueles que vem protegendo há séculos as florestas e o planeta. Nós sempre lutamos pelo progresso da vida, e não progresso da morte

Aguyjevete pra quem luta!

Comissão Guarani Yvyrupa – CGY