26 de fev de 2024 | 12:02
Mulheres do povo Guarani apresentam reivindicações pautadas em em encontro nacional – Leia a carta

Confira na íntegra a Carta Final do Kunhangue Nhemboaty – 3° Encontro Nacional de Mulheres Guarani

Por Assessoria da CGY

As mulheres do povo Guarani realizaram o Kunhangue Nhemboaty – 3° Encontro Nacional de Mulheres Guarani da CGY, quando se reuniram mais de 250 mulheres na tekoa Ko’enju, em São Miguel das Missões (RS), em novembro de 2023.

No encontro, que é a mobilização das kunhangue, as participantes representando diversas tekoa de toda yvyrupa debateram os desafios para o dos direitos das mulheres dentro e fora das aldeias, e formas de combate à violência de gênero.

Com o objetivo de fortalecer a participação das kunhangue na CGY e na luta por direitos, o encontro nacional de mulheres guarani foi resultado de um longo processo de mobilização, que promoveu fóruns regionais de mulheres ao longo de 2023, nas regiões Sul e Sudeste e contou com a presença dos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Em uma carta final endereçada à CGY, as mulheres guarani apresentam suas reflexões e demandas. Leia:

Nós mulheres guarani, das etnias Guarani Mbya e Avá Guarani das regiões sul e sudeste, estivemos reunidos entre os dias 7 a 11 de novembro de 2023, no III Encontro Nacional das Kunhangue da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), realizado na Tekoa Ko’enju, em São Miguel das Missões. Escolhemos este registro como uma maneira de contar o que aconteceu para aquelas e aqueles que não puderam estar presentes em nosso encontro e também como uma forma de apresentar nossas demandas.

Estivemos com cerca de 250 mulheres de mais de 50 tekoa na reunião. 

Juntas, a coordenadora tenondé da CGY, o grupo das coordenadoras, articuladoras kunhangue, secretariado, comunicadoras, tradutoras e a assessoria realizaram a  sistematização dos relatos registrados durante o encontro para enviar à Comissão. Nosso objetivo é que esta carta permita que todos conheçam em detalhes nossa realidade e trabalhem em conjunto para transformá-la.

O encontro comemorou a conquista da participação de mais de 30 % de mulheres na última assembleia da CGY, uma demanda do último encontro nacional das kunhangue ocorrida no ano de 2021. Isso acarretou em maior participação das mulheres nas coordenações regionais, estaduais e também na criação de um grupo de Articuladoras Kunhangue na gestão atual da CGY. Os avanços conquistados desde o primeiro encontro das mulheres, enalteceram a importância dos encontros das kunhangue, espaços privilegiados para o fortalecimento da rede de lideranças mulheres que vêm se consolidando nos últimos anos dando continuidade a luta de nossas ancestrais, avós e mães.

As nhandejaryi kuery nos trouxeram orientações de grande sabedoria que foram prestigiados ao longo de todo encontro. Coletivamente construímos um espaço de diálogo, encorajando a manifestação de todas, para que todas tivessem seus momentos de vozes liberadas, num sentido de enfrentamento ao silenciamento. Uma de nossas articuladoras kunhangue, Ivanildes Pereira, atestou:

É bom para termos coragem para falar nos encontros. Porque a mulher tem capacidade e tem voz. Nós temos mais vergonha de falar, e precisamos ter força para falar. 

Em muitos relatos estiveram presentes a insatisfação ao não serem ouvidas tanto em ambientes mais íntimos, no núcleo familiar, como também nos ambientes de decisão política junto aos caciques. Os encontros de kunhangue passam a se desenhar como espaços seguros e importantes para esse aprendizado.

Um ambiente de escuta se estabeleceu, o que permitiu que relatos de violência e perseguição que sofremos em nossas próprias aldeias pudessem ser compartilhados. Esses relatos colocam frequentemente o estupro e a submissão como as formas principais da violência e atingem mulheres de diferentes idades, desde kunhangue adultas até kunhataigue e kyringue. Entre as adultas, a violência verbal, psicológica, moral e sexual é com frequência praticada pelos próprios companheiros avakue e muitas vezes relacionado ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Já entre as moças e crianças, as violências são mais frequentemente praticadas por homens pertencentes a suas próprias famílias, sendo o padrasto ou abusadores que têm algum privilégio ou apoio político nas aldeias, por exemplo, familiares de lideranças ou trabalhadores assalariados. 

O que testemunhamos foram relatos de violência física, emocional e sexual, que descreviam histórias de abusos, espancamentos, estupros.  Sendo eles do tempo atual ou em histórias do passado, sabemos que essas ações não fazem parte do nhandereko. Viemos para este mundo para caminharmos juntos e juntas.

A mulher desde o começo está participando para ficar forte e falar. Nós mulheres sofremos muito. Temos que tentar entender porque os jovens estão cometendo suicidio. Porque eles podem estar passando pelo mesmo que as mulheres.

Um tema que surgiu espontaneamente e que trouxe muita preocupação foi o  suicídio entre a juventude.  Mães, irmãs, amigas trouxeram relatos de como tem sido afetadas e buscam apoio. 

No geral, a programação do nosso encontro contou com uma avaliação dos encaminhamentos do último encontro nacional, reflexão sobre a estratégia de luta das mulheres em suas bases, nos espaços de poder do Estado brasileiro. Diálogo sobre as pautas prioritárias por região para avançar na discussão. Exposição sobre os diferentes tipos de violências contra as mulheres, sendo estas violências, também contra o território. Bem como trocas de experiências de como as tekoa e as lideranças estão realizando o combate às violências.

Acesse o documento na íntegra: