19 de abr de 2024 | 21:04
Carta pública do povo Guarani ao presidente Lula

Por Comissão Guarani Yvyrupa

Presidente Lula,

O povo Guarani é um dos povos indígenas mais populosos do Brasil e, mesmo assim, um dos que menos tem terras demarcadas. Ao longo dos anos, denunciamos a destruição de nossas terras e a devastação das matas por terceiros, mas a luta pela demarcação das nossas terras nem sempre se vê refletida em compromissos concretos por parte de nossos governantes.

Nos espantou que somente em 2024, às vésperas do Dia Nacional dos Povos Indígenas, o senhor pareça ter descoberto que existem ocupantes não indígenas em terras tradicionalmente ocupadas por nós, povos indígenas. Nos espantou também que o senhor, na sede do Ministério da Justiça e Segurança Pública, tenha afirmado que ainda precisa pensar em como lidar com isso e fazer novos acordos, sob pena de retardar ainda mais a demarcação das nossas terras – sem nem mesmo definir um limite no tempo para algo que já esperamos há tanto tempo.

Ora, Presidente, infelizmente essa é uma realidade vivida diariamente pelos povos indígenas: não é de hoje que nossas terras são invadidas, loteadas, griladas, ou tituladas pelo próprio poder público a particulares em detrimento da nossa existência ancestral. É justamente por isso que demarcar terras indígenas é tão importante e necessário, afinal é apenas com ela que se desfazem esses erros e ilegalidades desse longo processo histórico e se traz segurança jurídica a todos, indígenas e não indígenas. Sem isso, é a existência dos nossos corpos, espíritos e de todo o planeta que está em risco.

As terras que estão prontas para sua assinatura não estão em sua mesa ao acaso, nem mesmo como pedido de favor. Elas percorreram todos os passos do processo demarcatório, seguindo rigorosamente a legislação brasileira. O próprio processo de demarcação prevê o que fazer nessas situações em que nossas terras estão ocupadas por não indígenas. O senhor, como Presidente, deveria saber que não lhe cabe negociar e adiar ainda mais a garantia de nossos direitos, dando margem a mais violências sobre nossos corpos e nossos territórios, quando deveria seguir com o que diz a lei.

Nos alegramos pela homologação das terras dos parentes Karajá e Pataxó assinadas ontem. Toda terra indígena demarcada é uma esperança de futuro. Mas apesar da confiança que havíamos depositado no compromisso firmado por seu governo com a demarcação de nossas terras, nós, do povo Guarani, ainda não vimos uma assinatura sequer. Somos dezenas de milhares, distribuídos em centenas de aldeias, e nossas terras, assim como de tantos outros povos pelo país, aguardam a demarcação.

A esperança que guardamos é grande – e esta carta é mais uma de nossas tentativas de que o seu governo não seja mais um a ceifá-la.No início desta semana, nós relançamos a Campanha #DemarcaYvyrupa, para lembrar ao senhor e ao Ministro Ricardo Lewandowski, que 14 terras do nosso povo estão prontas para serem demarcadas e aguardam apenas uma assinatura. O manifesto da campanha o senhor recebeu ontem, das mãos do nosso ruvixa Hélio.

Ele lhe entregou também uma caneta decorada com grafismos do nosso povo.

Saiba usá-la, Presidente.